Nessa tal sociedade líquida e fragmentada, que tão difícil é para alguém solteiro conceber unir-se com alguém!
E é tão difícil assim consolidar isto? Digo porque a concepção do ato pode ser mais difícil que sua consolidação. Não é masturbação mental, é só pensar que a concepção de um relacionamento sério, um namoro, um casamento, enfim, a concepção da união por aquela pessoa que está solteira é uma noção que, primeiro, é fabricada antes da experiência, e em segundo lugar, depende do contexto histórico, geográfico e socioeconômico da pessoa. Partamos deste ponto.
Se a concepção vem antes da experiência, então ela é induzida pela observação e pela idealização. Não há receita mais trágica que esta para os encontros de pessoas se conhecendo, afinal de contas, a idealização nos transforma a nós mesmos em seres distantes da realidade, e a observação de casais nesse momento líquido da sociedade nos faz ver apenas fotos e vídeos exagerados e utópicos (e cafonas, pois!). Um ponto breve, bem pessoal e particular, é que isso me parece uma consequência trágica desse novo Capitalismo, que também é líquido, baseado em serviços e relações efêmeras entre as partes que exploram e as que são exploradas.
Por que defendo que são líquidas? Porque hoje não podemos recortar e analisar com cuidado, são relações volúveis; se segurarmos nas mãos, não firmam. No caso relacional, isso me parece corresponder a relações desprovidas de sentimentos pelo outro, são relações do ego; são relações que buscam única e exclusivamente o orgasmo e, quando muito, um café na sequência. "E qual o problema nisso?", como tantos diriam, é a pergunta que me confirma o meu ponto.
É assim que diversas relações têm se construído hoje: uma grande orgia com roupas cortadas. Não há o sabor salgado do outro, nem o toque físico com pelos entrelaçados, nem o cheiro da pele, nem a mistura dos suores. Não há música, não há poesia, é só depravação culposa com o sabor narcisista, bem pornográfica, performática, com pênis e vaginas para todos os lados mas desligados do outro, imersos em suas próprias fantasias. Constroem-se então essas relações totalmente virtuais e desesperadamente líquidas - casais que não conversam, que não pensam em conjunto, que não se comprometem em carne e espírito, enfim, como a continuação de uma pobre orgia de duas pessoas vestidas.
Esses são os casais que observamos hoje: ostentam suas fotos de viagens aos caríssimos e chatíssimos destinos, com shows de pirofagia nas mesas dos restaurantes que frequentam - flambados, como são flambados - e seus figurinos impecáveis, com relógio de pulso que o pobre deseja e nunca vai comprar, camisas limpas e passadas que, não fosse um pequeníssimo detalhe da marca, passariam despercebidas, tênis forçosamente caros, botox e harmonização facial, tão dentro da perfeição! Ah, os shows! Os shows que não são espetáculo, os shows de "eu estava lá!", os shows em que se vibra artificialmente. São esses os casais observados: vidas padronizadas, todas indicando que o 'caminho' é este e tão somente este.
Nos sobra então o contexto. Aqui temos a parte mais difícil, que é a parte onde toda essa (nossa) imaginação deturpada se desenvolve. O nosso contexto é o nosso confronto com a noção de mundo vivida, e penso que é o suporte da nossa contradição humana: é onde eu sei de um mundo em que atuo, e sei de outros que também atuam, onde formo uma concepção sobre como eu atuo e como os outros atuam, onde os outros formam uma concepção sobre como atuam e como eu atuo, onde infiro sobre a concepção deles sobre mim; é onde eu li a respeito e ou confirmei o que li, ou discordei do que li, ou relativizei o que li. Enfim, eu entendo o cerne do contexto como a contradição.
Certamente, a contradição se revela mais para pouquíssimas pessoas e menos ou nada para muitíssimas. Aí com esse conceito de um mundo de contradições, vem e surge o quê? Surge o relacionar-se! Relacionar-se é então esse conjunto do que sei que sei, do que não sei, do que sei que não sei, do que sei que o outro sabe, do que acho que o outro sabe, do que o outro sabe de mim e por aí vai. É uma confusão mental (e a contradição não é a confusão) que nos faz, já atordoados com as formas do mundo nos surpreender de maneira negativa, confundir qual será a imponente desgraça que virá e, assim, nos tornar ansiosos, contando apenas com o mínimo. É um caminhar aleatoriamente num campo minado, onde as minas são decepções.
Do nosso suporte, ou contexto, fantasiamos de maneira insalubre a união. Trágico! A vida pensada é trágica! E não pra menos, o pensar a vida é um exercício de recortar detalhes e analisá-los. E isso pode ser tudo exceto viver. A vida é vivida, racionalizar o viver é injetar ansiedade na sua existência. Pensar sobre como é a união não é unir-se, é botar em algo que faz parte do ciclo natural padrão uma barreira chamada ansiedade. Então, sim, concordo com o que tantas vezes ouvi, que tem sido insalubre relacionar-se. E por que? Porque carregamos as contradições desses tempos de pensamentos efêmeros e vazios na própria conduta a partir da racionalização. Não tem como dar certo! Sei que falando assim de maneira tão abstrata parece que isso é um capricho revisionista, mas não é, a vida merece ser vivida e entender ela apenas desse ponto e de mais nenhum é a melhor forma de perceber que conceber a união está longe demais de consolidar a união.
Afinal de contas, todos temos necessidades, desejos e sentimentos. Não se esqueça: "há tanta vida lá fora!", não precisa buscar lógica porque a lógica convencional falha. Apenas viva e consolide a execução das suas necessidades!