terça-feira, 13 de julho de 2021

Vestígios sobre a solidão

Olá, solidão. Sei que você se confundiu com o âmago da minha ansiedade, mas não te quero lá. Você é bem vinda em muitos cantos, lá não é um deles. Lá é onde moram os diabos ruins e alguns dos bons, perdidos, apenas de passagem. Você já me revelou um mar de problemas, de crises, pontos fracos e fortes, já me revelou conspirações, medos, angústias, já me precaveu de me molhar em tempestade, de me queimar em Sol escaldante, de me arranhar em espinhos aparentemente inofensivos. Você não é minha inimiga, eu sei. Hoje, eu sei. 

"Solidão, palavra 
Cavada no coração 
Resignado e mudo 
No compasso da desilusão" 
 Paulinho da Viola. 

 Sinto que cavo (e cavamos) tão fundo atrás de explicações para os mais diversos devaneios, talvez culpa do cientificismo exacerbado, que me esqueço (e nos esquecemos) da grande verdade sobre a vida: a vida não existe sem que se viva; a vida é o colapso das nossas incompreensões misturadas, é o encontro das nossas ignorâncias, é a desfiguração consensual dos nossos consensos. Não dá pra viver sem se colocar na condição de enfrentamento. Estamos enfrentando nosso sono ao acordar, nossa vontade de comer nos momentos em que não podemos, nosso desejo ardente de fazer tudo aquilo que gostaríamos às 23h mesmo que já atrasados 13 minutos para dormir. E é por essa condição, esse gasto energético contra nossas próprias antíteses, que o viver não precisa toda hora de uma resposta racional, tampouco de uma pergunta. 

Muitas vezes, Pedro, você fala 
Sempre a se queixar da solidão 
Quem te fez com ferro, fez com fogo, Pedro 
É pena que você não sabe não" 
Raul Seixas. 

Se por um lado, existe uma ansiedade pelas peripécias da solidão, por outro, há também angústia pela duração dela. Querer o pedacinho de segredo, do ritual de transição da compostura para o deleite do mundo somente com as próprias regras, é, enfim, a ansiedade causada pela presença do próximo, mas parece tão superestimado logo que se obtem, que quando se sabe que vai demorar, já causa palpitação. E isso por que? Porque não se aprendeu a se amar. A solidão é um encontro íntimo com o eu, não amá-la é questionar a grandeza de suas próprias ideias e sentimentos. Não que isso abandone a nobreza do viver, mas deixa ir embora uma chance de melhor se conhecer.