quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

O meu censurado

Eu fiquei no "publico ou não publico?" e quase que não saí do lugar. Publicar o que? Um texto com um relato sentimental? Não, não é o caso. O sentimento está presente, mas em plano secundário. É sobre o pertencer, o 'ter'.

Me faltava inspiração para escrever sobre um ano extremamente pesado como este; 2016. Naturalmente, a inspiração precisava ser de peso. E (in?)felizmente foi. Agora, não preciso mais me censurar, todos sabem de quem estou falando: de mim mesmo. Alguém que tinha seus conceitos sobre relacionamento, paixão e amor e que viu todos eles serem desconstruídos. Tudo isso num único dia.

Se falo sobre pertencer, preciso falar sobre relacionamento, porque pertencer é uma relação entre dois objetos (talvez mais?). Não é uma questão de forçar a barra, o conceito de pertencer remonta às teorias de conjuntos, não estou deixando meu lado matemático falar mais alto. Tomando a mais conhecida delas, a que foi amplamente discutida por Cantor, com seus tantos axiomas, uma conclusão simples é que a relação de pertencer não é recíproca. Ou seja, se eu pertenço a você, você não pertence a mim.

Dessa forma, haver o "pertencer" num relacionamento, significa que existe uma figura protagonista e uma figura antagonista. Ou seja, se alguém pertence ao outro num relacionamento, o outro não pertence ao alguém, ao menos é isso que diz a matemática, comigo extrapolando. De tal forma, relacionamentos, em sua forma mais pura e original, não são compostos pelo pertencer.

Tá, e onde quero chegar com isso, dado que este texto é sobre este ano?

Relacionamento não é algo que só existe entre duas pessoas (ou mais) que sentem prazer sexual uma com a outra. Relacionamento é algo que permeia algum tipo de cultura que há entre pares ou mais pessoas. O relacionamento familiar talvez seja o mais comum, seguido pela amizade.

Quando começou 2016, achava que uma luz se acenderia em meio às trevas, mas o tempo foi passando e percebi que o que eu chamava de trevas era neblina. E fez-se a luz, mas só porque o dia tinha acabado de amanhecer. Tudo nítido e com clareza, certamente o que viria seria mais uma lição que a vida me daria por novamente estar me descuidando.

Meus relacionamentos sempre tiveram suas peculiaridades burocráticas. Os meus "não gosto", "gosto", "amo", "odeio" sempre tiveram uma certa burocracia. E era isso que eu queria mudar neste ano; ser mais normal nisso. E tive um certo êxito! Não como a suposta luz que viria, mas tem sido um pouco menos difícil de demonstrar aquilo que sinto.

Ainda assim, a natureza de muitos relacionamentos tem um certo protagonismo: a hierarquia dos laços sanguíneos, por exemplo. Então, mesmo que você tenha êxito na busca de melhorar suas relações pessoais, há diversas barreiras para uma certa reciprocidade em relacionamentos hierárquicos. Neste sentido, toda a nitidez e clareza do começo do ano eram a doce ilusão de que a famigerada luz tinha aparecido.

Entretanto, não é só de relacionamentos externos que vive o ser (ou, ao menos, o meu ser). Há também o contato com o eu interno. A relação de mim comigo mesmo ficou duvidosa, aconteceram crises de identidade, está acontecendo. Passei a duvidar de muita coisa - quem sou eu? Eu existo? Qual o meu propósito? Qual o grande negócio em estar vivo?

Sim, isso tudo é extremamente complicado, mas a dificuldade dos fatos da vida é o que reflete em aprendizado. Quem não tem um sofrer, não tem um parâmetro do quão feliz é; quem não se perde, não se encontra; quem não questiona, não tem certeza da verdade.

Com outras palavras, o que eu disse foi: a verdade só existe graças à dúvida. É um pouco de Schrödinger, um pouco de vivo e morto, é a raíz da verdade: o fato é a verdade sobre o fato e a verdade sobre o não-fato. Assim está meu relacionamento com a igreja cristã: não sei se é ateísmo, mas também é.

E a amizade...

Com tantas "modalidades" de relacionamento, seria um pouco injusto falar sobre a amizade, porque é algo tão difícil e tão já comentado, que só aumentaria a chatice deste tipo de texto. É melhor falar sobre o amor que envolve tesão.

O amor que envolve tesão! Já é uma frase que por si só está completa em arte, em beleza e até um pouco de comicidade. É - eu acho - um pré-suposto de um relacionamento que traz todos os sentimentos presentes nos demais relacionamentos, como o carinho, o sentimento de família, a esperança e, como uma luva, o tesão.

O relacionamento com tesão é bom, é lindo, é maravilhoso... e é uma desgraça! Porque de certa forma é o que traz consigo mais insegurança e mais necessidade de reciprocidade (diferente da relação entre mãe e filho, por exemplo). Ou seja, é uma forma de se relacionar quase insustentável. E dela surge muito conhecimento, muito conceito sobre vida, muito conceito sobre tudo.

Agora pense no quão bizarro é algo insustentável gerar tanto conceito. Exatamente! Muitos dos nossos conceitos derivam das adversidades, então o ponto não é quem eu sou, mas quem eu estou. Eu acho isso bem esquisito; contra-intuitivo.

Eu achava que amor era um sentimento eterno, por isso prendi o meu em uma garota. Ambos, o sentimento e ela, tinham morrido dentro de mim, mas eu não conseguia admitir isso. Então ela se casou semana passada e me fez admitir e, de brinde, escrever estas palavras.

E assim foi meu 2016.

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