segunda-feira, 6 de abril de 2020

Como sou

Eu só tive uma paixão verdadeiramente correspondida. Não à toa, quase casamos. Ela era divertida, embora tivéssemos nossos problemas. Sinto saudades dela sim. Saudades saudáveis.

De certa forma, me considero hoje uma grande farsa. Sou péssimo filho; como irmão, praticamente não sou irmão; como par, um errante; como matemático, bem abaixo da média; como amigo, deixo a desejar exceto pra três ou quatro pessoas. Em resumo, sou um desnecessário.

Me considero uma pessoa muito sociável, adoro ter minha voz sendo ouvida e meu rosto sendo visto por todos, mas tem horas que gostaria de ser um fantasma e passar despercebido... completamente despercebido. E essas horas são muitas, em suma, sou bem desprezível, também por isso.

Como filho, que é a primeira coisa que citei, eu não sei, acho que abstraí demais o conceito de família. Errado? Vai falar isso pra um jovem que passou a adolescência sozinho, tendo contato no máximo com pessoas de fora da "família". Não é nem vitimismo, é conformismo. Eu aceito minha condição.

Como irmão, cabe bem uma risada aqui. Das boas. Se abstraí o conceito de família na adolescência, isso foi por conta de ter dois irmãos e ao mesmo tempo não ter. Eu sei, eu era difícil, mas a casca era fina. Depois quebrei ela, mas infelizmente de dentro pra fora. Se fosse de fora pra dentro, hoje em dia, eu nem escreveria este parágrafo, acho que nem mesmo este texto.

Como par, é riso ou é choro. Sou como um bingo - tive uma grande paixão recentemente, maior que todas as outras, mesmo sem ter sido nada, mas tive tantas não-paixões, que é até frustrante pensar nas vezes que deixei ir porque não estava afim de ir junto. Minha paixão correspondida não foi assim: não foi essa grande paixão, mas também não foi dessas que se deixa ir - foi na medida. E essa medida foi eterna enquanto durou.

Digo que sinto saudades. É claro que sinto! Quem não sentiria?! Éramos toda a conjugação de um verbo difícil de conjugar, um verdadeiro filme premiado no festival de Cannes. O que isso quer dizer? Não sei, mas não é pouco. Carrego a saudade do que foi vivido (e já acabou), do que era lindo, meigo, colorido e que, embora tenha morrido, revitalizava. Não sou injusto com a minha memória, nem com os aprendizados do meu coração: amei de verdade.

Como matemático, poxa vida, sei um pouquinho bem pouquinho de algumas coisas, mas tão tão pouquinho que não sei nem se dá pra diferenciar o pouquinho do nada. Eu confesso que não tenho vontade de ser especialista numa única área. Gosto muito de Análise, Probabilidade (subárea da Análise? É, sim, mas diferenciemos) tem me trazido boas ideias, Geometria eu morro de curiosidade, mas confesso que minha paixão secreta se chama Álgebra. Ah, sim, Análise Complexa é paixão assumida. Em suma, sou uma fraude também na Matemática.

Agora preciso falar de como sou amigo. Não sou bom amigo, em geral. Em casos bem particulares, sou ótimo amigo, sim. Gosto e tenho muito carinho por aqueles amigos que muitas vezes nem sentido faz serem tão amigos, mas são. O problema é que nem só de pão vive o homem. Esqueço, não falo, ignoro, sou bem imprestável com boa parte dos amigos. Estão no coração, é, estão, mas costumo prestar mais atenção nos batimentos do momento. Queria não ser assim, mas de 1993 pra cá, eu sei o que é questão de atitude e o que é questão de paciência. Paciência.

No fim, é só mais um caldeirão de palavras.